All Posts By

Savio Ramos Melgaço

Eu

By | Poesia | No Comments

Essa não é uma vida de encantos…
É uma vida em segredo.
Quando o chão me tremeu de angústia,
era eu ajustando o peito.
Quando o teto anunciou estrelas,
fui eu a maestrina de luz.
Inconfessa, é verdade,
num eterno canto de alma,
por debaixo desse manto algoz.
Essa não é mesmo uma vida de encantos…
Até eu já desconfiava do olhar,
desse opaco risco de claridade.
Quando me dava uma versão do amor,
era utopia;
quando me dava com o amor,
já não era mais eu.

Do livro, de 2010, O Sutiã de Giz

Pelo trem que ainda esperas

By | Poesia | No Comments

Se viver os limites é obrigação,
digo que é difícil gostar.
Os limites enquanto obrigação
põem fim ao país que tanto amo,
à viagem que por tanto ensejei,
à noite que poderia durar para sempre.
Os limites enquanto obrigações
machucam o amante em demasia,
furtam aos homens sabedoria,
mudam o valor das coisas.
As palavras são igualmente meu limite,
minha cultura, meus braços…
Os limites enquanto obrigação
denotam que, amanhã, serei mais feliz – dentro de um limite;
e que, por sorte,
talvez já esteja no fundo do poço.
Se os limites então são obrigações,
é porque já não nos respeitamos.
Se viver o limite me é obrigação,
então, talvez, já não queira mais tomar um trem,
porque, enquanto obrigação, os limites não são meus.
Se para o céu o limite não são estrelas,
se para a terra jamais há começo ou final,
por que haveríamos de criar raízes?
Os limites como obrigação
ditam naturalmente quem eu sou
e o que devem esperar todos os dias de mim.
Os limites como obrigação
me levam ao esquecimento daquilo que intrinsecamente quero
– talvez não haja limites para esta dor.
Pena minha vontade não ter limites…
Porque, indistinto às fronteiras que ultrapasso,
é de praxe querer ficar sempre do lado de lá.
Os limites se esquecem de contar que eu existo.

Do livro não publicado, de 2006, Na Tribo dos Humanaçús

Detrás do Horizonte

By | Poesia | No Comments

Numa noite
em que gritar parecia saída,
elucidei o maior mistério
do lobo que uiva.
Enquanto o sereno baixa
sobre a relva,
e, na escuridão,
movem-se as árvores,
não há tempo que pare as ondas
tampouco problemas
que impeçam a vinda de frentes frias.
Não há tempestade que barre
a morte nem sol
que arremesse certezas…
Numa noite como aquela,
o vento é indiferente.
No céu, jazem estrelas,
que, indiferentes, brilham distantes…
São pedras pesadas que não descem
rumo ao mar,
ainda que sejam fortes as marés
com lua cheia.
São penas que o tempo leva,
são momentos que o tempo guarda.
E o lobo uiva porque reza.
E não lhe parece bastante uivar entre as matas,
senão sobre ponta de pedra
bem pesada,
para, quem sabe, uma multidão
inteira lhe peça silêncio,
sem que possa fazer nada.
Ainda que o minuto da dor termine,
há dor ali que talvez não passe.
E, não fosse pela ponta da pedra,
talvez nem para ele mesmo existisse.

Ensejar uma ponta como essa
é o mesmo que se molhar mais que os outros…
dizendo por todos.
Porém, para quem sobe,
o horizonte sempre estará mais próximo.

Do livro não publicado, de 2006, Na Tribo dos Humanaçús