Tristeza

By | Poesia | No Comments

Eu caí
em meu próprio abismo.
O vento veio-me de abraço.
Envolveu-me,
ao cair.
Tomou-me todo.
Fugaz. Ao modo de meu próprio engano.
Caí
como cai a lágrima do rosto
antes de secar.
Eu, que quero estar seco
antes de arrebentar no chão.

Texto inédito, a ser publicado em uma próxima coletânea.

A Natureza

By | Poesia | No Comments

Tudo alimenta.
E, de forma ou de outra,
vivos, morremos.
A natureza me troca a pele,
o cabelo,
sou uma forma diferente
de dar e de perder a folha.
Uma forma
de alimentar e de ser alimentado,
feito um cervo.
Vejo-me um processador de coisas.
Como é a planta ao consumir o sol
ou uma formiga, o açúcar. […]

Texto inédito, a ser publicado em uma próxima coletânea.

Fim de caso

By | Poesia | No Comments

Como dói deixar-se morrer para quem ainda se ama.
O tempo tem o som de sua voz desaparecendo…
O tempo tem o peso de um texto que ficou no ar,
como o vento,
que nunca foi dito… que espera para ser dito…
que existe num estado infinito,
porque não será mais dito…
A não ser no silêncio de minha própria dor.
Recolho-me na tristeza,
para amar o que resta do amor que um dia senti.
E sinto-me bem por saber que alguma coisa ainda mora em mim.

.
Este texto foi escrito em 2010 e consta de meu acervo pessoal.

Sem consequência

By | O Discurso da Morte, Poesia | No Comments

É-se e deixa-se de ser em um milionésimo de segundo.
É o presente passado imediato.
É o presente futuro constante.
Somos assim. Somos sem tempo.
Somos, agora, o minuto que foi;
Somos, agora, o minuto seguinte.

O presente – o já! – não existe.
A não ser a hora da morte, da sua –
O único milionésimo de segundo definitivo.
Talvez, por isso, estejam todos tão obcecados pelo agora.
Só assim, não precisam ser nada.
Nesse eterno presente, não há o peso de existir.

 

Texto inédito realizado durante a produção do livro O Discurso da Morte. Poesia não incluída na obra.

O meu Mal

By | O Discurso da Morte, Poesia | No Comments

[…] é o outro a me dar comigo.
Pois os olhos foram feitos para olhar para fora,
não para dentro.
Enquanto estiver em mim,
me faltará o essencial… imparcialidade.
Pois sou eu a olhar o mundo…
não sou o mundo a olhar para mim.
Sou um farol. Ilumino caminhos.
O horizonte é o meu limite,
e o chão, a minha raiz.
Eis a minha sina:
enquanto estiver em mim,
olharei o mundo a partir de mim…
e eu sou ninguém.

 

Trecho do texto O meu Mal (2015). Poesia confeccionada durante a produção da obra O Discurso da Morte.

A origem da obra O Discurso da Morte

By | O Discurso da Morte | No Comments

São muitas as crises de um autor.
Há pouco mais de três anos, dei início ao meu novo romance. Sentia-me engajado ao plano de retornar às origens. Meu primeiro livro, aquele que em primeiro escrevi, era um romance. Meu segundo também. A poesia, meu estilo literário predileto, já dava o ar da graça. Empenhava-me em intercalar narrativas com versos.
Contudo, não poderia contar com o acaso. Em meio à conturbada confecção daquela nova obra, travei. Prova de que as mãos e os pensamentos também se calam. Do súbito silêncio, nasceu O Discurso da Morte, uma flor intimista, brotada em forma de poesia.
Versos sempre me fizeram e me resgataram. Foi assim com meu novo lançamento. Seu poder restaurador me devolveu por inteiro ao romance e – por que não? – a mim. Uma obra – percebo! – nunca teria sido possível sem a outra, do mesmo jeito que me tenho feito assim, de silêncio em silêncio, de palavra em palavra.

(Sem título)

By | Poesia | No Comments

Peço-lhe mais do que um segredo.
Do porquê de meu desejo,
que me condena por ser carne,
por ser, em boa parte, quase que somente querer.

Versos soltos, encontrados entre os riscos do passado. Sem data.

Eu

By | Poesia | No Comments

Essa não é uma vida de encantos…
É uma vida em segredo.
Quando o chão me tremeu de angústia,
era eu ajustando o peito.
Quando o teto anunciou estrelas,
fui eu a maestrina de luz.
Inconfessa, é verdade,
num eterno canto de alma,
por debaixo desse manto algoz.
Essa não é mesmo uma vida de encantos…
Até eu já desconfiava do olhar,
desse opaco risco de claridade.
Quando me dava uma versão do amor,
era utopia;
quando me dava com o amor,
já não era mais eu.

Do livro, de 2010, O Sutiã de Giz

Pelo trem que ainda esperas

By | Poesia | No Comments

Se viver os limites é obrigação,
digo que é difícil gostar.
Os limites enquanto obrigação
põem fim ao país que tanto amo,
à viagem que por tanto ensejei,
à noite que poderia durar para sempre.
Os limites enquanto obrigações
machucam o amante em demasia,
furtam aos homens sabedoria,
mudam o valor das coisas.
As palavras são igualmente meu limite,
minha cultura, meus braços…
Os limites enquanto obrigação
denotam que, amanhã, serei mais feliz – dentro de um limite;
e que, por sorte,
talvez já esteja no fundo do poço.
Se os limites então são obrigações,
é porque já não nos respeitamos.
Se viver o limite me é obrigação,
então, talvez, já não queira mais tomar um trem,
porque, enquanto obrigação, os limites não são meus.
Se para o céu o limite não são estrelas,
se para a terra jamais há começo ou final,
por que haveríamos de criar raízes?
Os limites como obrigação
ditam naturalmente quem eu sou
e o que devem esperar todos os dias de mim.
Os limites como obrigação
me levam ao esquecimento daquilo que intrinsecamente quero
– talvez não haja limites para esta dor.
Pena minha vontade não ter limites…
Porque, indistinto às fronteiras que ultrapasso,
é de praxe querer ficar sempre do lado de lá.
Os limites se esquecem de contar que eu existo.

Do livro não publicado, de 2006, Na Tribo dos Humanaçús